- Pa-ai! Pode belá?
- Ahã?!
- Pode belá o mel?
- Ah! Tá... Pode lamber, sim! Mas lambe depressa porque tá em cima da hora.
- Pa-ai! Tô belano o mel... Tô feliz!
- Faz assim: vamos pro carro, que a mamãe já está esperando lá.
(...)
- Pa-ai! Tá de noite...
- Não, filha. Já são sete e meia da manhã...
- Não, Pa-ai! Olha a luz acessa.
- Deve ser problema com o relê, filha.
- Mas é de noite agora, pa-ai. Porque ela tava apagada...
- Filha! É complicado pra você entender, mas...
- Pa-ai! Porque é que a luz fica acesa “de dia” e apaga “de noite”?
- É o que estou tentando te explicar. Deve ser problema com o relê, um dispositivo que é acionado pela claridade de modo que a luz natural deveria fazer com que ele se desligasse automaticamente, mas não é isso que está acontecendo, talv...
- Pa-ai! Olha outra lâmpada acesa... Olha aquela outra...
- Pois é, filhota. Só nessa avenida têm várias!
- Mas, pa-ai! Então tá de noite. A Tia Elaine não tá lá, só de dia...
- Não, filha! Agora é dia. Faltam quinze pras oito.
- Da noite?
- Não! Da manhã...
- Pai! Acabou o pão... Já belei o mel.
- Lambeu né, filha! Pronto! Chegamos no CCI... Desce!
- Pa-ai! Deixa eu tirar o DVD?
- É um “CD”, filha! DVD tem imagem, CD só tem áudio! Pode deixar aí, que eu vou ouvir mais a viola!
- É “Usina de Prata”, né pai-iê? Eu é a moça-bem-feita-de-rosto, viu?
- Não é “eu é”, é “eu sou a moça”!
- Não é você... é eu!
- Tá certo... Mas, desce logo porque já estamos atrasados!
- Não! O CCI tá fechado! É de noite agora!
- De novo, filha? Agora já é dia...
- Mas, olha outra luz acesa no poste, pa-ai!
- Eu já te expliquei, filha. É problema de relê...
- Então lá em casa tem relê, pa-ai?
- Por que, filha?
- Você deixou a luz da sala acesa...
- Ah! Esqueci!
- A luz da garagem também...
(...)
- O relê apaga, né pai?
Beto Chagas é escritor e psicólogo, autor do livro de crônicas Palavras Contidas
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