quinta-feira, 5 de abril de 2012

Olhai e vigiai


Não gosto de dirigir. Se entro num carro, prefiro o banco do carona ou, de preferência, o banco traseiro. Desde que a minha filha nasceu, há exatos dois anos, assumi a condição de “babão” (masculino de “babá”, na minha gramática pessoal) e só ando no banco de trás, pra vigiar a cria. Pra mim é o paraíso: unir o útil ao agradável!
Antes, bem antes, eu já agia mais ou menos nesse sentido, evitando pegar no volante. Tirei a minha CNH perto dos 30 anos de idade, embora a rigidez do instrutor da auto-escola, à época, tenha compensado todos os anos de inércia e desinteresse. E garanto, de pés juntos, que nunca na minha vida dirigi sem licença. Pra ter-se uma ideia, quando fui fazer as aulas não sabia sequer quantas marchas tem um fusca e, como fazia aulas ao entardecer, depois do expediente na Prefeitura, tive que perguntar onde ligava o farol e se luz baixa e lanterna era a mesma coisa...
A seriedade do Doutor Mansur, que foi pessoalmente verificar a minha performance  no dia “D”, garantiu que eu passava por um verdadeiro teste – não uma provinha de direção. Levei uma “bomba” na baliza e voltei pra segunda prova. Passei, embora ainda sinta dificuldade nas “rampas”. Não sou um excelente motorista!
No entanto, com todas as minhas deficiências, acho que sou bem melhorzinho do que essa turma que pensa-que-sabe-mas-não-sabe ou sabe-que-sabe-mas-não-faz! Como é difícil enfrentar  o trânsito maluco de Franca, meu! Não sei se é soberba ou excesso de confiança, mas a turma exagera: vira sem sinal de seta, ultrapassa sem espaço, invade sinal vermelho (já me arrebentaram num semáforo da Presidente Vargas), invade preferencial (o Fábio e a Denise, da Quintal, foram testemunhas oculares da minha quase morte na esquina da Sapataria da Pizza). Motociclista, então, definitivamente alterou o Código de Trânsito e agora é oficial: ultrapassagens são pela direita, sinaleiro é só pra veículos de quatro rodas, curtos trechos de contra-mão não são mais infração e, ao estacionar, é lei aquele famoso vai-e-vem na moto, jogando a roda dianteira na frente do carro que está passando... E ao estacionar, tem que ser no espaço entre os dois carros que estão parados! 
Celular é outro quesito indispensável para quem está dirigindo. Parece que o mundo não funcionava antes dos tele móveis. Aliás, nada mais apropriado para explicar o sinônimo de veículo automotor: automóvel, porque com o condutor batendo papo ao celular, o carro vai mesmo sozinho, auto conduzido, tipo Herbie... Até ciclista, já vi falando ao telefone enquanto convergia a Major Nicácio adentrando a Praça João Mendes, rumo a rua Júlio Cardoso (entendeu a mão de direção e o risco que ele corria?).
Com todo esse quadro, vivo aflito quando preciso dirigir no trânsito de Franca. Podem me chamar de folgado, mas prefiro ir no banco de trás, lambendo a cria, enquanto a patroa, feliz, “leva nóis” pra lá e pra cá. Ela é mais centrada.
Ali no “segundo plano”, fico rezando pra ninguém cortar a nossa frente, nem invadir o sinal, nem ultrapassar pela direita, nem costurar sem espaço, nem jogar fumaça na nossa cara, nem... E, meio assustado, grito pra Cristina em cada esquina:
- Meu bem! Olhai e vigiai.
O que me consola é que minha filha, mesmo pueril, já aprendeu algumas regras básicas. Toda manhã, ao entrarmos no carro pra ir pra creche, ela interrompe a audição de “A Florzinha”, na voz do Marcelo Sefrin (se você não conhece, tá perdendo) e fala com voz firme:
- Paaaai! Põe o cinto!



Beto Chagas é escritor e psicólogo,  autor do livro de crônicas Palavras Contidas 



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